Prof. Dorival Filho

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Textos escritos pelo Prof. Dorival

2 Feb 2025

Para Matheus e, infelizmente, outros queridos alunos

Sempre (ou quase sempre) fui muito bem recebido pelos meus alunos. Mesmo no início de minha carreira, cheio de inseguranças, os alunos eram muito gentis comigo. Isso fez com que me tornasse muito grato a todos eles. Tenho a perfeita consciência de que muito do que tenho, além de uma boa parte de meu entusiasmo pela vida, provém deles. 


Claro que não me lembro de todos os alunos que tive. Alguns marcam mais, outros menos, não por merecerem mais ou menos, apenas por contingência. Sempre digo: os meus melhores alunos foram os que se tornaram meus amigos.


Matheus foi um aluno incrível. Apesar de sua notável inteligência, não é devida a ela que me lembro tão bem e com tanto carinho dele. É por um de seus frutos: o humor. Portador de um humor diferenciado, vivo, inesperado, era sempre muito divertido conversar com ele. Lembro-me de expressões, de palavras que, dentro do contexto em que foram ditas, geravam risos, atenuando as angústias e incertezas que todo vestibulando enfrenta.


Um ano antes de seu terceiro ano, o seu Colégio, o Colégio São Jorge, tinha aprovado muito bem em medicina. Um de nossos alunos, inclusive, passou em primeiro lugar na UESC. Lembro-me de que ele se referia a esse aluno como monstro. “Ele era um monstro, não era professor?”. No que eu lhe dizia: "no ano que vem, estarão se referindo assim de você, estarão dizendo que você era um monstro".


Dito e feito, Matheus passou em medicina na UESC e na UFSC, muito longe de nossa Ilhéus, na Bahia, o que representou um afastamento de sua namorada Thalita Régis, que também fora minha aluna. Lembro-me de pensar que toda essa distância os afastaria. Mas me lembro também dele, diante dela, dizendo: "ela pensa que nós vamos nos afastar, mas eu vou me casar com ela". Ela dava um sorriso meio sem jeito, talvez com um pouco de dúvida, a mesma que eu tinha. Os anos passaram e sempre que eu procurava saber sobre a situação deles, era informado de que o namoro continuava. Então, desisti de duvidar e me convenci de que ele cumpriria a promessa.


No dia 24 de junho de 2010, um acidente de carro tirou a vida de ambos. Mais uma vez perco alunos, pessoas preciosas para mim. Não me encontrei com eles nos anos que se passaram. Mas é assim, geralmente, a relação com ex-alunos. Você não os vê com frequência, mas eles estão sempre presentes na sua memória e há a expectativa de encontrá-los a qualquer momento. É o momento de perguntarmos o que eles estão fazendo, se conquistaram o que queriam ou de estender a mão se eles precisarem. Enquanto há a possibilidade desse reencontro, a saudade fica esquecida. A morte tira essa possibilidade e, então, vem uma saudade incrível. Não, agora não é mais possível saber como eles estão, ficar feliz com o sucesso deles ou estendê-los a mão. Para mim, isso apenas confirma que a vida é randômica. Não vejo sentido, um porquê em tudo isso.




PS: Ia apressado para uma aula num cursinho pré-vestibular do centro de Ilhéus. Vi Marcela Zugaib ao longe. Pareceu-me que estava vestida com a roupa de uma operadora de celular. Não sabia que ela estava trabalhando. Era hora de perguntar: como vai? O que tem feito? Quais as novidades? Percebi que ela avistou alguém que eu não via, sorriu e foi em sua direção. Não parei, pois tinha aula e estava com pressa. Depois, quando tudo se tornou impossível, lembro-me de me cobrar por não ter parado, não ter lhe dado um abraço. Mas tudo bem, a última vez em que a vi, ela ia para um encontro que jamais saberei qual é. Mas o importante é que ela estava indo, sorrindo.

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